Uma Entrevista com Sandra Dodd
por Emily Subler, 1998
publicada uma versão reduzida na Home Education Magazine
e a versão completa no livro Moving a Puddle
traduzido por Marta Pires, 2012
Encontrar ideias claras, bem como uma filosofia sobre a aprendizagem é uma tarefa intimidante. Pode ser necessário esforçarmo-nos para encontrar uma voz que consolide as nossas ideias sumariamente e, felizmente para muitos “unschoolers”, a presença vocal da Sandra Dodd é um foco brilhante de lucidez. A sua mente é uma caixa virtual de magia, as suas ideias inovadoras sobre a aprendizagem são simplesmente divertidas e a sua convicção apaixonada no “unschooling”articula toda uma filosofia de vida.
Antiga professora do ensino secundário, Sandra vive com a sua família no Novo México. Os seus três filhos nunca foram à escola. Ela é editora da “Newsletter Online” da “Home Education Magazine” e é anfitriã do chat semanal sobre “Unschooling” da “Home Education Magazine”. Sandra viaja pelo país espalhando a palavra sobre o “unschooling” e está, actualmente, a escrever o seu primeiro livro.
Com clareza, segurança e humor, a sabedoria de Sandra relembra-nos que devemos continuar a colocar questões e a manter a flexibilidade quando olhamos para o mundo. Recentemente, foi-me possível assistir aos seus workshops, numa conferência sobre ensino doméstico, e, na qualidade de “unschooler” novata, fiquei admirada com a profundidade da sua convicção. A nossa troca de e-mails subsequentes levou à entrevista que se segue.
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O “unschooling” pode parecer esmagador, para algumas pessoas que não compreendem os seus fundamentos principais. Porque pensa ser difícil entender o conceito de “unschooling” e porque razão muitas pessoas são agressivas nos seus ataques à sua filosofia?
As pessoas atacam o que não compreendem. Acho que roubei esta frase de um filme. Há muito para aprender nos filmes. Eu podia ter tido aulas de filosofia, mas a vida deu-me tanta filosofia do dia-a-dia que, como um puzzle de 1500 peças, começa agora a fazer sentido, sem que eu tivesse que ‘estudar’, concentrar-me ou fazer um teste. O verdadeiro teste é ver se as pessoas conseguem aplicar o que aprenderam a situações do quotidiano.
Aqueles que foram à escola (e isso é cerca de 99% das pessoas que estão a ler isto) basearam metade das suas vidas, mais década menos década, no ritmo, rótulos e categorizações escolares. Quando coisas como “o ano lectivo/escolar” fazem parte de uma cultura tanto como “família” e “nascer do sol”, é um desvio radical considerar que talvez um desses três não seja natural. Para muitas pessoas, perturba o tecido das suas vidas. O tecido da vida de algumas pessoas já está um pouco amarrotado, ou então detestaram a escola e estão felizes por encontrar alternativas, mas, para aquelas pessoas ordeiras, que têm as vidas impecavelmente arranjadas nas suas cabeças, que aceitam mais do que questionam, o “unschooling” é algo perturbador. Não conseguem entendê-lo, literalmente. É demasiado estranho para aquilo que sempre aceitaram como natural e inevitável
Ensinou na escola pública. O que a levou ao “unschooling”?
Quando ensinei, não seguia tudo à risca. Não usava os manuais de apoio. Usávamos jogos e coisas que eu inventava (coisas impressas que eu distribuía, quero eu dizer, e projectos) e, às vezes, coisas feitas pelos miúdos. Podia continuar a dissertar sobre isto, mas não está relacionado com o tópico, por isso, vou refrear-me (espero). Nós brincávamos bastante com dicionários. Todas as sextas-feiras, “apenas” trabalhávamos uma canção (balada). Todas as sextas-feiras, eu cantava-lhes uma balada e dava-lhes as palavras. Depois, falava sobre aquilo que a letra tinha de interessante, com o que parecia estar relacionada no folclore ou noutras canções, quão velha se acreditava ser e quais eram as evidências disso. Não o fazia de forma professoral e, durante a maior parte de cada ano escolar, os miúdos pensavam que, às sextas-feiras, “não fazíamos nada”, que era tempo livre. Ninguém que pratique ensino doméstico ficará surpreendido ao ouvir que os miúdos aprendiam mais à sexta-feira do que em qualquer outro dia da semana mas, uma vez que a pressão era baixa e não havia a quem “dar contas”, a aprendizagem era alegre e fácil.
Todos os anos, assim que viam os primeiros 20 versos da balada, alguns miúdos queixavam-se “Aiiii, temos de memorizar isto?”. Eu assegurava-lhes que não tinham de a aprender mas, no final de cada ano, depois dos pedidos para repetir as suas favoritas, eu duvido que houvesse lá algum miúdo que não conseguisse cantar pelo menos uma das baladas, e talvez dez das baladas, de memória.
Era um laboratório bestial para se ter e a maior parte dos “unschoolers” não tem essa vantagem quando começam, de terem visto de perto situações de aprendizagem ‘solta’, ‘relaxada’. Fui suficientemente corajosa para os experimentar quando estava a ensinar porque, na faculdade, tinham-nos mandado ler uma série de autores que escreveram sobre a reforma escolar, incluindo o John Holt. Isto foi no início dos anos 70, no auge do movimento da ‘sala de aula aberta’, e os meus professores acreditavam nesse princípio de forma tão veemente e tranquila que me soou a simples verdade.
O que aconteceu foi que aquilo não podia funcionar, na prática, quando as crianças eram obrigadas a estar na escola. Funciona melhor quando as crianças têm a opção de vir ou ir embora, mas, de formas muito reais, o objectivo da escola é manter as crianças dentro do edifício, o que derrota os benefícios da aprendizagem natural. É por isso que eu penso que muitas escolas desistiram disso – isso e o facto de não imaginarem que iria funcionar e se não consegues imaginá-lo, não consegues fazê-lo.
Que provas tem de que está a funcionar? O que é sugere que os pais façam para se tranquilizarem de que este caminho proporciona tudo o que os seus filhos precisam?
Bom, começando pelo fim, não existe nenhum caminho que proporcione tudo a uma criança. Existem alguns que nem começam a pretender proporcionar tudo o que os seus filhos precisam. Talvez os pais devam primeiro considerar o que é que eles pensam que os seus filhos efectivamente precisam.
Em relação à prova de que o “unschooling” está a funcionar, se a pergunta é se as crianças estão a aprender, os pais conseguem perceber quando é que eles estão a aprender porque estão lá com eles. Como é que você soube que o seu filho conseguia andar de bicicleta? Você pôde largar a bicicleta, parar de correr e vê-lo a andar pelo caminho fora. Você sabe que eles conseguem dizer as horas quando lhe dizem que horas são. Você sabe que eles estão a aprender a ler quando soletra algo ao seu marido e a criança diz a palavra secreta em voz alta mesmo em frente aos irmãos mais novos. Em formas práticas, da vida real, as crianças começam a usar o que estão a aprender e, como não estão longe, na escola, os pais vêem as evidências da sua aprendizagem constantemente.
Mas, não existe qualquer evidência avaliativa disponível, e dúvidas do sucesso podem ser uma fonte de questionamento da filosofia do “unschooling”.
Com o que se parece a evidência avaliativa? Em primeiro lugar, não tenho a certeza que não exista nenhuma disponível, mas estou certa de que não preciso de nenhuma para mim. Se eu dependesse financeiramente dos outros aceitarem o “unschooling” (ou seja, se eu estivesse a vendê-lo), aí iria querer alguns dados para suportar as minhas afirmações. Todavia, eu estou a vivê-lo e não estou assustada, portanto, não estou à procura das estatísticas que provem que estou certa ao ver o que vejo. As escolas têm evidências avaliativas? Elas têm algumas evidências, mas será que são assim tão óbvias? Onde está o seu grupo de controlo? Das duas uma, ou o que me foi ensinado na escola (três ou quatro vezes) sobre o método científico está errado, ou as escolas estão baseadas em resultados deficientes, uma vez que o seu “teste” não foi montado de acordo com o método que elas próprias defendem. Como é que elas sabem que todas as crianças na sua escola não aprenderam matemática e a ler, em casa, nos 185 dias em que não estão na escola? Ou durante as muito-mais-que-seis horas em que estão em casa nesses 180 dias de escola?
No futuro, eu vou fazer parte do grupo de controlo. Eles têm de saber se algumas crianças conseguem aprender essas coisas sem serem sujeitos a todas as medidas e instruções em que a escola se baseia.
Aliás, existem investigadores que já provaram, há muitos anos atrás, que os princípios da aprendizagem baseada no interesse são os que funcionam melhor mas, como não funcionam bem em contexto escolar são, na maior parte dos casos, postos de lado. No entanto, os pais que praticam o ensino doméstico podem pegar nisso e ir em frente.
Uma das muitas coisas que me dão confiança é que já olhei para “unschoolers” adolescentes, olhos nos olhos, falei com eles e vi pessoas pensadoras, inteiras e confiantes. Já olhei para centenas, talvez mais de mil, crianças escolarizadas nos olhos e vi medo, desafio, vergonha e outras coisas defensivas que tais. Talvez tenha sido porque eu era uma professora ou a mãe/tutora/guardiã de um amigo deles, mas a capacidade que as crianças escolarizadas têm para interagir com adultos é propositadamente desencorajada. Espera-se que as crianças que estão na escola tenham deferência para com os adultos, lhes obedeçam e tenham medo deles, não muito mais que isso. Por isso, eles evitam-nos durante as suas horas “off” e, durante o dia na escola, evitam o contacto visual.
Que benefícios acredita que o “unschooling” traz para os seus filhos, a longo prazo?
Se eu visse isto simplesmente como um meio para os pôr na faculdade, talvez estivesse nervosa. Eu vejo o “unschooling” como uma forma de viver. Não o vejo como uma forma de os impedir de ir para a faculdade ou de dificultar as suas oportunidades de aprendizagem formal, se eles forem por esse caminho, não coloco a faculdade como “o objectivo”, nem para eles nem para mim. O objectivo, para mim, é que eles venham a ser pessoas que reflectem, pessoas compassivas, curiosas, simpáticas e alegres. É só isso. Não é pedir muito, pois não? Penso que se esses traços estiverem intactos neles, eles irão continuar a aprender pela vida fora.
Uma citação sua: “Francamente, eu não sei quais são as palavras mágicas para conseguir que as pessoas sejam calmas e realistas em relação a expectativas e resultados. Para que prossigam sem olhar pelas “janelas-da-escola-das-suas-mentes” a toda a hora.” Se é assim, como é que as pessoas normais se convencem a si próprias que o “unschooling” vai funcionar?
Não existe nenhum interruptor que eu possa ligar. Tal como com outras situações de ensino/aprendizagem, toda a aprendizagem tem lugar dentro do aprendiz. Nada pode ser inserido por um professor.
Ajuda se os “unschoolers” em embrião olharem para a forma como aprenderam coisas fora da sala de aula, e usarem isso como um modelo e um objectivo. Eles não têm de seguir outras famílias “unschoolers”, embora não lhes faça mal. Uma família isolada de outros “unschoolers” pode fazer bem em levar a cabo uma chuva de ideias de exemplos de coisas que aprenderam informal e naturalmente e olhar à volta para outras pessoas que aprenderam as coisas da mesma forma.
Tome o próprio “unschooling”, ou o ensino doméstico em geral, como exemplo. Quem é que foi para a faculdade para aprender isso? Quem quer que leia isto mais tarde, estarão a fazê-lo pelos ‘créditos’? Estarão a fazê-lo como se fosse um trabalho que têm de terminar? (Bem, talvez haja alguns maridos que irão ser ‘persuadidos’ a ler artigos sobre o ensino doméstico um pouco contra a sua vontade…). Não, penso que estão a aprender sobre “unschooling” porque têm necessidade e desejam saber.
Você acredita que o “unschooling” não pode ser um assunto a meio-tempo. Posto isto, é possível fazer “unschooling” com uma criança enquanto se usa um currículo estruturado com outra? E se uma das crianças quer ir para a escola?
Eu acredito que a aprendizagem ideal tem lugar quando tudo é considerado como valioso e os pais não destacam um ou dois tópicos para ‘ensinar’. Penso que isso estraga a integridade do cenário-de-tudo, dizer: ‘Não vamos arriscar a Matemática, mas o resto podes aprender sozinho, ou não.’ Isso determina um objecto e um campo. É imprescindível saber Matemática e o resto não tem tanto valor. Penso que colocar a componente académica separada do resto das coisas engraçadas que há para saber e aprender é igualmente mau. Será a ciência mais importante que a mecânica dos automóveis? HEY, a ciência É mecânica dos automóveis em todo o lado excepto na escola, em que a mecânica dos automóveis é num edifício e tem uma professora com um conjunto de credenciais e a ciência está noutro edifício, com uma professora diferente, livros diferentes, uma linha diferente no caderno de avaliação. Na vida real, não existe nenhum edifício, nenhum professor, nenhum livro, nenhuma linha ou caderno de avaliação. Existem milhares de edifícios, de professores, de livros.
Se uma criança, em ambiente familiar, está a usar um currículo porque ele ou ela querem, e o trabalho é feito à sua maneira, isso não é tão disruptivo como eu penso que seria se o pai estivesse a impor um currículo a uma criança enquanto afirmava ou tentava deixar a outra criança livre para aprender naturalmente. Como é que se evitariam as comparações? Se as personalidades fossem suficientemente diferentes e os pais não tivessem dúvidas que o “unschooling” podia funcionar, talvez fosse exequível. No entanto, não o recomendaria.
Aquilo que já recomendei, e que não consigo ultrapassar, é: se um dos meus filhos quisesse ir para a escola, eu alinharia. Eu tenho várias justificações por detrás disto. Uma é que eu penso que a pior coisa da escola é a impotência dos alunos. Eles têm de estar ali, quer queiram quer não, por isso não existe qualquer virtude naqueles que lá querem estar, e não existe qualquer alegria nos que NÃO querem estar. Quando as famílias forçam os seus filhos a ficar em casa mas as crianças preferiam ter ficado na escola, a mesma impotência existe. Eu quero que os meus filhos estejam em casa porque eles querem estar em casa. Eu procuro não pôr os meus filhos contra a escola. Todos os anos tenho perguntado a cada um deles se estão contentes com a forma como as coisas estão, ou se gostariam de experimentar a escola. Falamos sobre isso um pouco e eles têm dito sempre, “Eu quero ficar em casa.” Até aqui tudo bem; se eles mudarem de ideias, eu ficava assustada e nervosa e irritada com a ideia de ter de passar a ter um horário e a viver à volta do ano lectivo, mas ia tentar alinhar. Parte da razão que me levava a alinhar nisso é que não esperava que durasse muito. Eu tenho tornado a vida deles, em casa, bastante divertida e a escola teria de ser a terra da fantasia para competir com o que eles têm em casa.
Nos casos em que a criança está na escola mas os pais se querem divorciar da escola em vez de estarem totalmente envolvidos e serem apoiantes, os pais podem fazer apenas um ligeiro desvio em que deixam as crianças (e, se necessário, os professores) saber que o ensino doméstico É uma opção e que, se a criança quiser ficar na escola, ela é responsável pelo seu envolvimento auto-escolhido, não o pai. Se o pai ou a mãe, na sua cabeça, separou a aprendizagem da escola, a pressão na criança escolarizada pode ser muito mais baixa do que se o pai ou a mãe acredita verdadeiramente que a escola é a fonte do conhecimento e do sucesso. Pais “unschoolers” estarão confiantes de que a criança pode e vai aprender, apesar da escola, à volta da escola e talvez ainda na escola, mas não vão depender da escola para “educar” total e completamente os seus filhos, como tantos pais parecem fazer.
Por isso, apesar de achar que é luxuosamente fácil se todas as pessoas numa família estiverem empenhadas no “unschooling”, não me parece que as suas vidas terminarão caso alguns estejam envolvidos na aprendizagem formal. Penso que quando o “unschooling” e a formalidade estão lado a lado, o “unschooling” vai ganhar sempre porque é alegre e afável.
Você escreveu uma vez: “Nós temos vozes e fantasmas dentro de nós, e condicionamentos, tudo o que nos impede de fazer ensino doméstico de forma clara e alegre e calma. Temos culpa e medo e ‘ideias’ (ideias MÁS) atadas aos nossos pensamentos sobre a aprendizagem/educação e isto acaba simplesmente por, como grude, vedar os nossos cérebros e os nossos corações.” Fale-nos um pouco mais sobre o que podem ser estas ‘ideias más’ e sobre a importância do “deschooling”.
As pessoas pensam que a aprendizagem tem de acontecer com hora marcada e de forma incremental, e vão buscar essa ideia aos “cursos” de estudo e aos anos de escola e aos semestres e aos livros de estudo com classificação. As pessoas receiam que, se os professores estiveram na escola durante anos para se tornarem professores, então eles devem SABER algo e esse conhecimento misterioso é a chave da aprendizagem. As pessoas têm receio que, sem “Um Registo Permanente” os seus filhos irão crescer sem uma identidade, sem uma realidade, e podem nunca casar ou reproduzir-se. As frases da escola como por exemplo “ser estudante é um trabalho a tempo inteiro” e “o que fizeres aqui irá afectar a tua vida inteira” e “tens de aprender a dar-te com as pessoas [por isso não, não te vamos transferir para uma pessoa com que te dês bem]”, vivem na cabeça das pessoas que foram à escola durante doze a dezoito anos, e se nós não os questionámos na altura, será seguro questionarmo-los agora que têm o delicado futuro das nossas crianças na equação? São esses tipos de medos.
Outro nível de questionamento surge: “Se isto não fosse necessário, em que é que a minha própria vida teria sido diferente se eu não tivesse sido sujeito à escola e toda a sua vergonha e rotulagem e pressão?” Para mim, estas questões foram abordadas ao longo de quatro anos no grupo “Filhos Adultos de Alcoólicos”, a cujas reuniões fui desde antes de estar grávida do meu primeiro filho até ao nascimento do meu segundo. Tenho conseguido muito, em termos de cura pessoal e desenvolvimento familiar, ao tratar os meus filhos da forma que eu desejava ter sido tratada quando tinha a idade deles. Em vez de usar um guião da minha própria infância, em vez de dizer aquilo que a minha mãe ou uma das minhas professoras me teriam dito a mim, eu olho de facto para o meu próprio filho e tento dizer aquilo que eles precisam de ouvir, aquilo que tornará as suas vidas e a aprendizagem mais fácil e menos stressante.
“Deschooling” significa desmontar o invólucro da escola. Gradualmente (ou apenas de uma só vez, se tiver essa capacidade), pare de falar e de pensar em notas, semestres, dias de escola, educação, pontuações, testes, introduções, revisões e desempenho, e substitua essas estruturas e medidas artificiais por ideias tais como manhã, fome, alegre, novo, aprendizagem, interessante, brincar, explorar e viver.
Eu já fui professora. Desse ponto de vista, o mundo anda definitivamente à volta de anos e semestres, de distritos escolares, de horários de avaliação standardizados, de fundos monetários federais, de contratos para os autocarros escolares, de fundos para as cafetarias, de cortes nas bibliotecas, dos pavimentos nos parques de estacionamento… todo o tipo de coisas que pouco tem a ver com crianças, os seus corações, espíritos e ideias. Ponham tudo isso de lado. Não vivam aí.
Você acredita que tudo é educacional. Isso, para si, é a essência do “unschooling”, o cerne?
Sim.
Você está claramente e sem reservas empenhada no “unschooling”. Porque é que as suas convicções são tão sólidas? O que é que a faz estar completamente segura desta escolha?
Por qualquer motivo, eu tenho memórias muito claras da minha infância, e mais do que aquilo que aconteceu (que eu também recordo bastante bem, alguns incidentes até aos dias de bébé), eu lembro-me, desde tão cedo como a segunda classe, de falar com outros miúdos sobre os seus sentimentos e teorias. Decidi, quando estava na primeira classe, que queria ser professora, por isso em paralelo com o entrevistar miúdos (nem por isso, mas eu encontrava de facto imensos amigos faladores), eu estava a observar os professores porque queria roubar as boas ideias para quando crescesse. Se eu soubesse que ia crescer para ser uma “unschooler”, não podia ter tido melhor preparação.
Muitos pais e professores esqueceram-se de como é que se sentiam em pequenos e que tipo de coisas é que conseguiam, ou não, entender nessa altura, por isso acabam por esperar demasiado, ou muito pouco, das crianças. Eles tendem a apresentar a informação como se ela existisse num bloco que não pode ser partido em pequenas partes, em vez de permitir que a criança integre pequenos bocados de vez em quando, de acordo com as suas necessidades e a sua capacidade de compreender. As pessoas não integram blocos de informação pré-medidos. Elas assimilam uma coisa nova de cada vez. Dar a alguém 25 pedaços de informação em cinco minutos só é útil quando o receptor está altamente empenhado na situação. Se não estiverem despertos e curiosos, dar um pedaço de informação é um desperdício de tempo. Portanto, penso que é melhor fornecer pistas e deixar que os outros peguem nelas por esse motivo, em vez de marcar uma hora com a pessoa com o objectivo de tentar inserir a pista. Não é assim que a aprendizagem funciona da melhor forma.
Eu perdi-me numa tangente, mas com frequência as melhores coisas vêm de tangentes e não do caminho traçado. Isto é verdade nas conversas, nas férias e na aprendizagem. Se estiver a contar aos seus filhos tudo o que sabe sobre o Egipto e eles perguntarem quão grandes são os crocodilos bébés, você vai dizer, “Espera, eu ainda não acabei de te contar sobre as três melhores teorias sobre a construção de pirâmides” e continuar com a sua palestra? O miúdo é que está a aprender. Talvez ao fim de um ano, ele dirá “Como é que eles faziam aquelas pirâmides sem guindastes?” e então você desenrola todas as teorias sobre cilindragem/oscilação/levitação de que já ouviu falar na vida. (Levitação é um pouco leviano – estava a pensar no princípio da “gravidade variável” de Kurt Vonnegut, em que ele sugere que a gravidade passa por fases tal como o clima, e que, tal como existem idades do gelo, existem períodos de gravidade pesada e leve, e num dia de gravidade leve as pedras eram colocadas lá em cima).
Estou completamente segura em relação ao “unschooling” porque acredito no desejo e na capacidade que as pessoas têm de aprender coisas maravilhosas de maneiras estranhas, se lhes for dada a oportunidade. Algumas pessoas não acreditam no “unschooling” e uma razão, penso, é esta: eles têm uma visão mental do ‘terminar o liceu’ – como um conjunto de factos e competências. Eles vêem isto como o seu objectivo e o seu destino. Trabalham ao contrário a partir daí, de forma incremental, e querem colocar os filhos nesta estrada estreita e a direito para chegar a esse objectivo. Olham para os “unschoolers” e pensam que os “unschoolers” não conseguem atingir o seu objectivo, por isso rejeitam qualquer outro pensamento sobre isso. Penso que o objectivo deles é que é a direito e estreito/restrito.
Se eu quisesse que os meus filhos chegassem ao final do liceu, colocava-os na escola. Esse modelo canaliza toda uma vida para um pequeno conjunto de informação num pequeno dia (dia 22 de Maio do ano em que a criança está mais próxima do seu 18º aniversário), após o qual o projecto termina. O modelo com que eu opero canaliza toda uma vida no sentido de uma maior apreciação e compreensão de toda a vida e nunca termina, salvo danos cerebrais incapacitantes ou a morte. A escola e a escola-em-casa, por vezes, ensinam as pessoas a não aprender, ou pelo menos a não aprender nada pelo gozo sem orientação porque “não conta para nota”. Eu acho que tudo conta. Eu acho que tudo pode ser divertido. Quando digo “eu penso”, muitas vezes quero dizer “estou absolutamente convencida depois de anos de considerações cuidadas e observação sem evidência do contrário, e a minha ideia original tornou-se numa teoria que se tornou numa convicção”.
A maior parte das melhores coisas que aprendi em criança aprendi nos escuteiros, 4–H, a partir do envolvimento com um ou outro tipo de música, nas visitas às casas de amigos e fazendo perguntas sobre as coisas que tinham lá – as casas são como museus, quando não são como quartos de hotel. Eu não gosto muito de casas tipo quarto-de-hotel, mas as casas verdadeiras são museus. Penso que uma casa que pareça um quarto de hotel pode ser um lugar difícil para se fazer “unschooling”. Lembro-me da geografia e da antropologia (não conhecia o termo, mas andava a coleccionar os factos e as ideias muito antes) que aprendi com um jogo de perguntas Rocky Bullwinkle que encomendei a partir de uma caixa de cereais. Tinha cartões perfurados para montar numa pequena moldura e se colocássemos o ponteiro no buraco certo, uma lâmpada acendia. Isso era o que os programadores andavam a fazer no início dos anos 60 para tornar a minha vida melhor. Eu adorava esse brinquedo e aprendi o que teria aprendido num ano de escola. Tive uma colecção de pequenos livros da National Geographic que tinham uma folha de autocolantes perfurados com fotografias impressas a cores que eu tinha de lamber e colar nas páginas certas. Às vezes, o sabor de certos autocolantes lembra-me imagens da Tailândia ainda hoje! Os professores na escola achavam que me tinham ensinado aquela geografia toda. Tenho a certeza de que estavam orgulhosos.
Por isso, com os meus filhos, arranjei um “GeoSafari”, alguns jogos de geografia para o computador e eles têm as aventuras de mistério do “Highlights”, nada disso é considerado aprendizagem, apenas brincadeira. Eles brincam com mapas, desenham-nos, seguem-nos, fazem-me centenas de perguntas, mas não me parece que eles saibam o alcance/extensão e a definição de “geografia”. Um dia entenderão e, na altura em que o fizerem, saberão tanto sobre tantas pessoas e lugares que não lhes ocorrerá que deviam ter esperado até serem mais velhos, ou que aquilo precisa de um nome e de uma categoria, uma vez que é parte tão integral do tecido de Tudo e que eles estão a aprender sobre Tudo.
Uma vez que o “unschooling” é um estilo de vida, como pode uma família, que queira abraçar estes ideais, começar o processo? Que encorajamento ofereceria?
Brinquem. Façam piadas. Cantem. Em vez de se voltarem para dentro e de procurarem a resposta dentro da família, dentro da pessoa, virem tudo para fora. Saiam de casa. Vão a algum lugar onde nunca tenham ido, até um parque na cidade que não conheçam, ou uma obra de construção, ou uma mercearia diferente. Tentem apenas estar calmos e alegres juntos. Para algumas famílias, isto é simples. Para outras, é um pensamento assustador.
Tentem não aprender. Não tentem aprender. Os dois não são a mesma coisa mas, para os principiantes, são suficientemente parecidos. Se vir alguma coisa *educativa*, não diga nada. Pratique o deixar oportunidades excitantes passar ao lado ou, pelo menos, pratique o deixar que as crianças tenham a primeira palavra a dizer sobre algo interessante que todos estão a ver. Uma família que está a experimentar o “unschooling” pode tentar estar algum tempo – uma semana, um mês – sem aprender nada, mas, durante esse tempo, manter-se activa, faladora, ocupada com a vida, talvez alguma arte, alguma música, teatro ou cinema, passeios para coleccionar coisas (nos bosques, nas lixeiras, não importa) – apenas estar, mas estar ocupado – no final desse tempo (ou a meio), penso que se tornará evidente que a aprendizagem não se pode desligar. Dado um ambiente rico, a aprendizagem torna-se como o ar – está dentro de nós e à nossa volta.
Original in English, full-length
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Porque fiz “unschooling” com os meus três filhos
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